Por mais de três décadas fui um crítico contundente do modelo de Ensino Médio vigente até 2021. Hermeticamente dividido em 13 componentes curriculares (as conhecidas disciplinas) desconectados entre si e do interesse da maioria dos alunos, era um modelo único no mundo, uma jabuticaba vencida, responsável pela maior mazela da já combalida educação brasileira. Caso o antigo Ensino Médio fosse um aluno em uma escola, não teria passado de ano – e não apenas uma vez, mas continuamente ao longo das décadas pelas quais perdurou, pois o IDEB (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) sempre ficou abaixo de 5,0 (numa escala até 10). No último IDEB (2021), o Estado com melhor resultado (Paraná) não passou dos 4,6 pontos.
Esse modelo anterior, além de ampliar desigualdades em relação à parcela mais vulnerável socialmente da população, gerou gigantescos índices de abandono escolar. Estudos recentes patrocinados pela Federação das Indústrias do RJ (Firjan) demonstram que, anualmente, meio milhão de adolescentes brasileiros abandonaram a escola, a um custo de 135 bilhões de reais por ano. Convivemos com uma das maiores tragédias sociais, uma vez que há cerca de 7 milhões de jovens brasileiros de 15 a 29 anos que não frequentam a escola e não trabalham, conforme o Dieese, com base em dados do ano de 2021, com o agravante de que "a proporção feminina desses jovens é de 27,7%, quase duas vezes mais que a taxa registrada entre os homens jovens".
Ademais, dada a oferta limitada e grade curricular que priorizava o preparo para o vestibular, não mais que 10% dos nossos estudantes estavam matriculados em cursos técnicos profissionalizantes, conquanto o índice médio da maioria dos países é de 40%. A Formação Profissional tem a sedução do ingresso mais rápido no mercado de trabalho ou mesmo de melhorar a capacitação para uma função laboral já exercida. Por essas razões, em 2017, durante o governo Temer, a lei nº 13.415 alterou a LDB e deu legitimidade a uma nova organização curricular, denominada Novo Ensino Médio, aprovada pelo Congresso Nacional.
Finalmente, o Brasil passou a contar com um modelo de Ensino Médio bem mais flexível, que permite à escola equilibrar competências e habilidades cognitivas com as socioemocionais. Temos ainda uma BNCC (Base Nacional Comum Curricular) aprovada após cerca de 7 anos de consultas públicas e muitos debates entre educadores e estudiosos do tema. Uma BNCC democrática, com diligente elaboração dos Conselhos Estaduais de Educação das 27 unidades federativas do Brasil e implementação pelas suas Secretarias de Educação, com ampla reorganização curricular, em geral onerosa e que exigiu capacitação de docentes e gestores.
Evidentemente, o atual governo sabe disso tudo, porém pressionado especialmente por alguns sindicatos de trabalhadores da educação, por parte dos estudantes e por alguns partidos, deu azo e ressonância às manifestações políticas pela revogação do Ensino Médio em vigor. Em decorrência, teve de suportar manifestações contundentes de repúdio dos secretários estaduais de educação, dos Conselhos Estaduais de Educação, da Federação e da Confederação das Escolas Privadas do Brasil, bem como de outras entidades da sociedade civil. Foram semanas de algaravia e todo esse frisson gerou incertezas e angústias para 7,9 milhões de adolescentes do Ensino Médio, além de professores, pais, gestores escolares e secretários de educação.
Atitudes como essa, que sobejam no Brasil, são ervas daninhas de difícil erradicação: a prevalência de ideologias e de polarizações, independentemente do direcionamento político, que campeiam no meio educacional. Nesse cenário, me utilizo da analogia de uma locomotiva a percorrer os trilhos com direção e propósitos, embora contivesse avarias que durante o percurso podem e devem ser ajustadas, mas eis que uma tormenta a desgoverna promovendo paralisações e insegurança. Técnicos e bombeiros do MEC entraram em ação e, finalmente, foram explícitos: "revogação do Ensino Médio não está mais em discussão".
Evidentemente, nem tudo são flores na nova arquitetura curricular. Além de termos passado por uma pandemia e o Brasil ter sido um dos países que mais mantiveram os prédios escolares fechados, uma reformulação do Ensino Médio representa um desafio complexo, quer pela faixa etária que atende, quer pelas aspirações, desejos e sonhos desses adolescentes. Afinal, parte deles almeja o ingresso em faculdades concorridas e outra parte está sob o fetiche de um certificado profissional e da sua autonomia financeira, sem falar daqueles sequer afeitos aos estudos. Não há bala de prata! O arcabouço teórico do Novo Ensino Médio propõe uma arquitetura mais universal e contemporânea, pois prima por uma organização curricular por áreas de conhecimento, ampliação de carga horária de 2.400h para 3.000h, estimula a interdisciplinaridade e uma variada oferta de escolha profissional.
Ajustes, melhorias, adequações são imprescindíveis, tanto sob o prisma pedagógico quanto social e econômico. Mas sem vieses ideológicos, sem voltarmos ao deletério modelo anterior e sem polarizações que tanto comprometem o futuro do nosso Brasil, que da educação de qualidade depende para progredir, formar capital humano e promover inclusão social.
Jacir J. Venturi, membro do Conselho Estadual de Educação do Paraná, foi professor e gestor de escolas públicas e privadas, da UFPR, PUCPR e Universidade Positivo. Autor de 4 livros.
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